quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013


ESTIVE NO INFERNO E SENTI O CALOR DO FOGO DA INSENSIBILIDADE

                                   Hoje, juntamente com os colegas Conselheiros dos Direitos Humanos Guiany, Pe. Bosco e Valdênia, estive no inferno, aliás, no Presídio Flóscolo da Nóbrega, o popular Presídio do Roger, e  enquanto olhava aquela masmorra medieval, me lembrava de Olavo Bilac ao escrever sobre Dante. Diz Bilac, que Dante ao atravessar o vestíbulo do inferno, Dante avistou no seu vórtice uma multidão quieta, que não merecia nem críticas e nem vivas, pois era a multidão dos omissos, dos lacunosos, dos negligentes, dos covardes, dos batedores de palmas, dos alcoviteiros e poltrões pusilânimes, que se transformaram em reles instrumentos de poderosos, que se agacharem na mais demoníaca de todas as subserviências.
                                   Não quero formar nessa multidão de párias do caráter humano e por isto quero gritar aos quatro cantos: “UM GOVERNO QUE ACEITA UM INFERNO COM MAIS DE 1.300 HOMENS PURGANDO SEUS CRIMES E OUTROS AINDA PARA SEREM JULGADOS, É INSENSÍVEL, DESUMANAMENTE DESAPIEDADO”.
                                    Já na segunda metade do Século XVIII, na época em que grassava a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva, com  aplicação de punições de severas consequências e superiores aos mais temíveis males produzidos pelos delitos, com a consagração das mais sórdidas torturas, sanções de banimento e de morte, o Marquês de Beccaria, cujo nome de batismo é Cesare Bonesana, já se levantava contra esse grotesco proceder e escreveu o clássico Dos delitos e das penas” e graças ao período das tervas em que vivia, teve que fugir para não ser queimado em agoniante fogueira.
                                   Estive no inferno, aliás, no Presídio do Roger e pensei: desde Beccaria alguma coisa mudou no horizonte das prisões paraibanas? A resposta foi óbvia. Se ele fosse vivo, se escandalizaria com o que eu e meus companheiros vimos e sentimos. Sentimos o cheiro acre do suor, já que há muito os segregados não se banham, o calor é insuportável, a fedentina, onde antigamente existiam construções e hoje temos ruínas vergonhosas abrigam enjaulados doentes e moribundos e outros que se queixam de surras e pisas homéricas, rodeados com esgotos podres e fedidos correndo para todos os lados. A água para beber é da torneira, vi servindo uma sopa inqualificável como se joga rações, digo, bagaços aos porcos, até os restos estragados sobejam e fazem parte da paisagem das entradas dos pavilhões, pavilhões não, tétricas e vetustas armações de tijolos que ainda resistem ao tempo sem qualquer reforma,
                                   Estive no inferno sim, desculpem, no Presídio do Roger e tive a sensação nos ossos, na carne, no sangue e na minha alma, que ali é um inferno, o pior cemitério de mortos vivos. São 1.330 homens num espaço ultrapassado, putrefacto, fétido, sem iluminação, com a fiação elétrica exposta, com o calor execrável, igual àquele que exala da boca de um forno e no meio pessoas que merecem ser julgadas e se culpadas punidas, mas não excomungadas do mundo dos vivos e já condenados ao mais terrificante dos fogos, às chamas dos infernos da indiferença, da insensatez, da nefanda desumanidade daqueles que fazem o governo atual do Estado da Paraíba e o espaço onde depositam trezentos é insalubre, temperatura de sauna, escuro e que suportaria apenas 500 no máximo.
                                   Vi no inferno funcionários públicos submetidos a agressões morais, a estresse, à tristeza, a angústias outras, pois sadicamente investidos em cargos de agentes penitenciários atirados aos infernos da falta de tudo, até de consideração pelas suas dignidades de profissionais integrantes daquele terrificante sistema, sistema louco, cuja doutrina é a doutrina da morte, da morte de tudo, até da esperança, uma vez que aqueles homens não podem obrar milagres, as condições não permitem que eles trabalhem, mas que passem noites e dias em pungentes e cruciantes plantões, numa crueldade ignominiosa por parte do Estado em relação a esses servidores, na maioria sonhadores, idealistas, e operários de uma causa justa, que deveria ser a desse governo, a causa da ressocialização dos que habitam aquela casa de assombração, desculpem, aquele inferno.
                                   Meu sentimento foi de inferno mesmo ou de campo de concentração, vi eletrizantes e enervantes corredores de arame farpado e indaguei de um graduado servidor do que se tratava, mas acabrunhado ele se calou, não quis dizer que ali em tudo se assemelha com o holocausto nazista, mas eu entendi seu silêncio.
                                   Senti-me fraco, emocionado, as forças começaram a fugir do meu domínio, primeiro pelo sentimento de que deixava naquele inferno 1300 seres humanos em conflito com a lei, que devem ser apenados após julgamentos que atendam ao velho brocardo “common process of law”, fugi dali arrasado, desconstruído em me convencer da insensibilidade, que beira às raias do sadismo, dos que fazem o governo da Paraíba e pensei: Se não existisse vaidade, alguém em sã consciência aceitaria ser secretário, diretor, gerente daquilo, daquela decadência imunda e desalmada? Ou prefeririam a honra e a exclusão da multidão aduladora de Dante? 

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