PM assassina jovem que tinha um sonho: ser policial
Jovem que queria ser policial é assassinado por um PM. Ruzivel de Oliveira, 19 anos, foi morto com dois tiros (boca e peito) disparados por um policial militar, tão jovem quanto ele
André Caramante, Ponte
O sonho de se tornar policial fez com que Ruzivel Alencar de Oliveira, 19 anos, ganhasse o apelido pouco usual de “Policinha” nas ruas do Eldorado e Vila Paulina, bairros da periferia de Diadema (ABC paulista). Mas o projeto de vida do rapaz acabou na noite de sexta-feira (26/12).
Logo após ter deixado o trabalho de entregador de pizza para ir à casa da namorada, Oliveira foi morto com dois tiros (boca e peito) disparados por um policial militar, tão jovem quanto ele e que afirmou à Polícia Civil ter atirado “porque pensou que a vítima sacaria uma arma”.
Os destinos de Oliveira e de Getulio Alves da Silva, 25 anos, soldado do 24º Batalhão da Polícia Militar de SP, se cruzaram na esquina das ruas Cangati com Camarupim, no bairro Eldorado. O entregador de pizza seguia em sua motocicleta e o PM havia acabado de atender um caso de “perturbação da ordem pública” – um grupo de jovens ouvia som alto em um carro.
Os dois tiros contra Oliveira foram disparados quando o soldado Getulio Silva ia embora do Eldorado, já que o dono do carro que tinha os potentes alto-falantes ligados naquela noite havia seguido a orientação de baixar o volume do equipamento.
Revoltados com a morte de Oliveira, moradores da região onde o rapaz vivia com sua família apedrejaram dois carros da PM que foram ao bairro dar apoio ao soldado Getulio Silva e ao seu companheiro de patrulhamento, o cabo Benedito Neves Soares, 47 anos.
Após o enterro de Oliveira na manhã deste domingo (28), os moradores voltaram a protestar e os serviços de algumas linhas de ônibus que atendem a região foram interrompidos.
Parecia ser
Na versão do soldado da PM apresentada à Polícia Civil, bastante contestada pelos moradores da área onde Oliveira foi morto, o entregador de pizza, mesmo pilotando sua motocicleta, “levou a mão à cintura fazendo aparecer o que seria uma arma de fogo”.
“Ademais, notou o miliciano estadual [soldado Getulio Silva] que o piloto [Oliveira] fez menção de munir-se com tal objeto [a suposta arma], tendo o policial militar a natural reação de sacar sua pistola e efetuar dois disparos contra o motociclista”, escreveu no registro do caso a delegada Valéria Andreza do Nascimento, do 1º Distrito Policial de Diadema.
Ainda segundo o soldado Getúlio Silva, mesmo baleado no peito e na boca, Oliveira conseguiu pilotar sua motocicleta para tentar escapar. Depois de atirar no jovem, o policial entrou no carro da PM onde seu companheiro o esperava e ambos localizaram o entregador de pizza caído na rua Camarupim.
Os dois PMs disseram que, até aquele momento, não tinham certeza se os tiros dados pelo soldado haviam ou não acertado Oliveira, confirmação que só tiveram depois dos socorristas do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) levarem o entregador de pizza para o Hospital Municipal de Diadema, onde ele chegou morto.
Apesar de afirmarem não terem conseguido ver se Oliveira estava ou não baleado, já que disseram não ter visto sangue no corpo do jovem e também porque ele estava caído de bruços, os dois PMs disseram à Polícia Civil que o revistaram no chão e encontraram com ele um revólver calibre 38 -a arma consta como roubada de uma empresa de segurança, em 2010, na Cidade Ademar, bairro da zona sul de São Paulo.
Sem perícia
A delegada Valéria Nascimento não ouviu o depoimento de nenhum morador do bairro onde Oliveira foi morto e não determinou que fosse realizada perícia no local da morte. “Não foi requisitada perícia para o local devido às condições hostis, sendo que não houve possibilidade de preservação do ambiente [onde Oliveira foi morto]”, escreveu a policial civil.
Parentes e amigos de Oliveira recolheram duas cápsulas de munição .40 e um projétil no local onde o soldado Getúlio Silva atirou contra o entregador de pizza. Os três objetos estão até agora com os familiares do jovem.
A irmã de Oliveira, Ágata Janine Alencar, 22 anos, disse que a camiseta que o entregador de pizza vestia quando foi ferido pelo soldado Getúlio Silva desapareceu.
“É óbvio que tentaram forjar algo para culpar meu irmão pela própria morte. Ele jamais andou armado e essa arma foi plantada nele. A camiseta poderia mostrar como os tiros foram disparados, por exemplo. Ele nunca teve nenhum problema com a polícia”, disse Ágata.
Em um vídeo feito por moradores do bairro Eldorado no qual Oliveira aparece caído e sangrando, enviado à reportagem, é possível ver que ele estava com a roupa descrita por sua irmã.
Na gravação, os moradores mostram também mostram um carro da PM se afastando do local onde o entregador de pizza está caído. Enquanto pede para que os PMs sejam filmados, um morador os chama de “vermes”.
No boletim de ocorrência do caso, a delegada Valéria Nascimento registrou apenas as versões dos policiais militares Getulio Silva (responsável pelos dois tiros contra o entregador de pizza), do companheiro dele, o cabo Benedito Soares, e dos soldados Rodrigo Silva Santos, 24 anos, Adriano Maurício Ferreira, 35, que foram dar apoio aos dois primeiros quando alguns moradores do Eldorado atacavam os carros da PM que chegavam ao local.
Outro lado
Procurados por meio de suas assessorias de imprensa para se manifestar sobre a morte de Oliveira, o secretário da Segurança Pública da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), Fernando Grella Vieira, e o comandante-geral da PM, Benedito Roberto Meira, ambos prestes a deixarem seus postos no governo de São Paulo, não retornaram aos pedidos de entrevistas.
A reportagem também solicitou entrevistas com o soldado Getulio Silva e com o cabo Benedito Soares, envolvidos diretamente na morte de Oliveira, e com a delegada Valéria Nascimento, responsável pela não realização de perícia no local onde o entregador de pizza foi baleado e por não ter ouvido nenhum morador como testemunha da ação dos PMs. Os pedidos não foram atendidos pela assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública.
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