segunda-feira, 24 de junho de 2013

Duciran Farena



Direitos das Vítimas
Passados quase seis meses desde o final do julgamento do mensalão, conforme previsto, o hino desta república em que o Brasil se transformou continua sendo ouvido: liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós! (os réus). E as asas da liberdade continuarão abertas no próximo semestre, no julgamento dos embargos. E depois, nos embargos dos embargos...continuarão abertas também a toda gente bem vestida, pois o Supremo Tribunal Federal, também conforme o previsto, voltou ao ritmo normal de absolvições e anulações de processos criminais.
Nesse contexto, foi escolhido Luís Roberto Barroso para ministro do Supremo Tribunal Federal, substituindo Carlos Ayres Britto. A indicação foi celebrada pelo mundo jurídico, pelo indiscutível saber jurídico do constitucionalista, e por militantes dos direitos humanos, pelo seu engajamento  em causas como o casamento homoafetivo, o aborto de fetos anencefálicos e até na polêmica defesa do terrorista exilado Cesare Battisti. Somente grupos religiosos vocalizaram protestos.
No entanto, não me incluo entre os que comemoraram. Em primeiro lugar, com Luís Barroso, o Supremo torna-se praticamente uma corte Café com Leite e Petróleo. Fora do Sul-Sudeste, há apenas Gilmar Mendes (Matogrossense). Embora o critério regional não deva ser decisivo nas escolhas, trata-se de corte que tem a última palavra em questões federativas.  Seria por acaso que Barroso foi apoiado pelo governador do Rio, já tendo inclusive assinado ação contra a repartição dos royalties? Ademais, a indicação foi comemorada pelo PT, porque Barroso alinha-se com o garantismo penal, que elevou a proteção dos réus processados no Brasil a patamares não vistos em nenhum outro país do mundo.
É com base em uma das construções do garantismo, o direito de permanecer em liberdade até a decisão final irrecorrível, aliado ao direito a recorrer ao infinito, que os mensaleiros ainda estão soltos. Foi assim que o jogador Edmundo escapou da prisão. Todos os réus se beneficiam do garantismo, mas ele aproveita principalmente aos acusados de crimes do colarinho branco. Enfim, Barroso certamente engrossará a corrente do ativismo judicial, que os críticos chamam de “governo dos sábios”, isto é, dos juízes. Ora, não falta ativismo em nosso Supremo Tribunal, ao ponto em que não há como não deixar de dar razão aos que reclamam que certas opções são tomadas judicialmente, sem que haja um consenso social sobre elas nem legislação específica. Também nenhuma vítima foi ouvida quanto a certas concepções garantistas. A presunção de inocência, típica em sistemas penais do mundo inteiro, aqui vai inviabilizando totalmente a persecução penal, mas, é claro, só para os ricos, assistidos por bons advogados. Se o Ministério Público, que corre o risco de ser proibido até de investigar (PEC 37) não traz a prova praticamente pronta na denúncia, ela é rejeitada, o processo sequer começa (mas a prescrição sim, já está correndo).
No resto do mundo o acusado não é obrigado a provar sua inocência, mas aqui o acusador tem que provar também que o álibi daquele é falso, isto é, se o acusado diz que a vítima desaparecida morreu na China, o Ministério Público tem que ouvir testemunhas chinesas etc. Não é à toa que todos os dias as vítimas sofrem com as “asas da impunidade”. As vítimas do mensalão (nós, contribuintes) sofremos com a descarada liberdade dos condenados. As vítimas do gineco-estuprador Abdelmassih convivem diaramente com a vergonha, diante da fuga do réu ao exterior, porque o STF entendeu que tinha endereço fixo e bons antecedentes. A família de Mércia Nakashima teve que conviver durante todo o processo com a acusado denegrindo o nome de sua vítima na TV. Enfim, espero estar enganado, mas acredito que com Luís Barroso o Supremo Tribunal Federal não avança naquilo que a justiça brasileira mais necessita – respeito aos direitos das vítimas.

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