sábado, 3 de agosto de 2013

Constitucionalismo bêbado

No livro de Vargas Llosa “A Festa do Bode”, um dos mais curiosos personagens é Henry Chirinos, o “constitucionalista bêbado”, representando aquele personagem que existe em todos os regimes, não importa se democráticos ou ditatoriais – o jurista que está sempre em torno do poder. Categoria que às vezes abrange também outros operadores do Direito, como juízes e promotores, além de pareceristas. Um dos artifícios mais conhecidos desta categoria de juristas é abstrair os efeitos de sua orientação ou decisão, situando-a em um plano abstrato das idéias. Assim, a decisão de um juiz garantista, inocentando um acusado de corrupção, é justificada como baseada em princípios – não importa o resultado concreto, há princípios constitucionais indeclináveis...ocorre que muitas vezes este princípio é apenas uma interpretação questionável do caso concreto pelo aplicador, quando não uma inovação.
Assim é o tal “princípio” da exclusividade das investigações pela polícia. Nada na Constituição afirma isso, mas seus defensores, inconformados com a derrocada da PEC 37, continuam a dizer que a emenda constitucional afinal de contas, era desnecessária, pois a “proibição” estaria na Constituição...a consequência, que se abstrai, é a de toda exclusividade ou monopólio: dano para a sociedade, pelasupressão de um investigador que mais pecou por não fazer do que por fazer. Não é à toa que praticamente todos os países do mundo rejeitam esta exclusividade. Assim, não se trata de teoria de quem queira construir nada em termos de combate à impunidade, mas de quem cujo “não importa” esconde, na verdade, opção por interesses mais interessantes. Recentemente, os adversários do poder investigatório do Ministério Público ganharam um aliado de peso: o Corregedor Geral do Ministério Público Federal, que publicou no site “Congresso em Foco” artigo sobre a “apropriação corporativa das manifestações de rua”.
Segundo ele, a luta contra a PEC 37 seria na verdade uma disputa corporativa por parte do Ministério Público, que seletivamente escolhe investigações com vistas a pôr em risco a governabilidade e ampliar seu poder. Criticado internamente, defendeu-se o corregedor com sua “liberdade de opinião intelectual”. Mas, porque explicitar opinião contrária à instituição na qual ocupa alto posto justamente no momento crítico da discussão da PEC pelo Congresso? Se o articulista permite-se abstrair seu escrito do contexto fático, cumpre-nos analisá-lo. Eugênio Aragão, o corregedor, foi fragorosamente derrotado em eleições internas para o Conselho Superior do MPF pouco tempo atrás. Seu nome, visto com agrado pelo Governo, foi cogitado para o Supremo Tribunal Federal. Foi e é cogitado para Procurador Geral da República, onde ameaças à governabilidade poderiam ser controladas mediante rigorosa disciplina corretiva. Percebe-se, portanto, que este novo constitucionalismo da governabilidade nasce bêbado, de uma embriaguez que decorre não do licor do poder, mas do simples odor dele.

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