sexta-feira, 11 de outubro de 2013

As pirâmides e o sonho brasileiro

Já falei nesta coluna sobre o sonho americano: casa, carro e vida confortável em troca do trabalho duro. É um sonho essencialmente individualista, nascido da ambição dos imigrantes que chegavam sem nada e enriqueciam na América pelo próprio esforço, mas tem uma feição inclusiva: está acessível a qualquer um disposto a trabalhar duro. Por isso o americano em geral tem pouca compreensão com o estado social europeu – a idéia de sustentar uma pessoa capaz que se recusa a trabalhar lhe é incompreensível. O homem deve construir sua vida com seu próprio esforço; não há almoço grátis. 

Também existe um sonho brasileiro: viver à custa dos outros (seja do governo, seja de enganar os outros, como demonstra a febre das pirâmides),  ser servido (simbolizado pela figura da empregada doméstica, que agora querem acabar) e segregação (simbolizado pelos shopping centers e condomínios fechados, onde a gentalha fica de fora).  

É um sonho, como o americano, individualista, só que baseado no enriquecimento sem esforço e na exclusão social. Somente viver à custa dos outros tem algo de universalidade: todo mundo pode, mesmo o pobre, embora esta estratégia não seja sustentável a longo prazo (uma hora o dinheiro público acaba, o parente diz basta ou a pirâmide desaba). 

Ter empregada não é para todos, porque supõe que alguém queira este emprego. Até pouco tempo atrás, a classe média baixa até podia ter esta ilusão, mas o bolsa família e agora os novos direitos eliminaram esta parte do sonho. Segregação também não – supõe os segregados, os que vivem nas favelas, longe dos shoppings e são obrigados a usar o elevador de serviço. 

Existe mais um componente do sonho brasileiro que não coloquei na lista porque este realmente é ultra-exclusivo: a impunidade. O povo pode até botar R$ 300,00 numa pirâmide, achando que vai fazer tanto dinheiro que poderá ter empregada e comprar no shopping. Mas ele não conta com a impunidade. Aliás, instintivamente ele sabe que a impunidade conta a seu desfavor. A pirâmide cai, o pobre perde tudo e o criador da pirâmide não vai para a cadeia porque a Justiça acha que tomar uma pequena parte de seus bens já é castigo bastante. Se o pobre furta no supermercado um pote de iogurte, sabe que será punido com todo o rigor da lei. Já o rico desfruta plenamente do sonho brasileiro: sua condição o isenta de qualquer possibilidade de responder por seus atos.

Existe uma antiga canção, do Biquini Cavadão, que dizia “Eu sou do  povo, eu sou um Zé Ninguém, aqui embaixo as leis são diferentes”. Eles estavam errados. As leis penais não são diferentes para o Zé Ninguém; para os que estão no topo da pirâmide, elas simplesmente não existem. A crise americana abalou, mas não matou o sonho americano. Talvez – o tempo dirá – tenha contribuído até para recuperá-lo. 

Já na crise brasileira, existe algo de emblemático a demonstrar a inviabilidade do sonho brasileiro: a economia desaba, as pirâmides desabam, desaba o império daquele que foi a mais legítima tradução desse sonho: Eike Batista. Ao assunto tornaremos.

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