Duciran Farena
Sexta, 09 de Novembro de 2012 - 13h30
Mães da cadeia
Como promotor, sempre tive os ouvidos meio surdos para lamentações do tipo “meu filho era uma pessoa boa, foram as más companhias que o botaram nesta vida”. Não critico as mães que dizem tais coisas, mas percebo que a chance dessa história não corresponder à estrita verdade é grande. Já se a mesma mãe vem afirmar que o filho está sendo torturado na prisão, presto atenção redobrada. O fato, pela minha experiência, tem grandes chances de ser verídico – praticamente nunca vi uma denúncia desse tipo que tivesse se provado exagerada, ou completamente falsa. E curiosamente, vejo que a primeira alegação, muito provavelmente falsa, encontra mais receptividade geral do que a segunda, provavelmente verdadeira.
Mas também não posso deixar de pensar em como reagiria, se o filho não estivesse encarcerado, aquela mãe se visse na TV uma notícia de que o Conselho de Direitos Humanos está apurando denúncias de tortura em presídios. Talvez seguisse a corrente generalizada de incompreensão da sociedade a respeito do sistema prisional, extensiva aos órgãos de direitos humanos – “deixa esses bandidos apanharem, porque não pensaram nisso quando cometeram seus crimes” “só se preocupam com os bandidos, não com as pessoas de bem”. Mas quando uma dessas boas senhoras tem o filho envolvido com drogas, depois no crime, e depois na cadeia, praticamente é só no Conselho de Direitos Humanos (ou Defensoria Pública) que encontram apoio. Vara de Execuções Penais, Ministério Público, Judiciário, todas as outras portas encontram-se, com raras exceções, fechadas.
Entendo que isto tem também a ver com a falta de solidariedade do nosso povo, que atinge pobres e ricos (os últimos com maior intensidade - quanto mais rico, menos solidário). Não digo aqui da solidariedade passiva, de contribuições, de doações de alimentos, abundante, mas da solidariedade ativa, aquela que começa por colocar-se na posição do outro e nos leva a não doar coisas, mas fazer algo para ajudar. Uma catástrofe no Brasil implica em doações de roupas e alimentos e em verbas públicas (que para cúmulo ainda são desviadas, como aconteceu nas enchentes da região serrana do Rio de Janeiro). Em países mais solidários, as pessoas oferecem seus serviços e seu tempo às vítimas.
Por que é tão difícil para nós, quando vemos uma notícia de tortura em presídio, nos colocarmos na posição da mãe daquelas pessoas? Por que tanta facilidade em criticar os “direitos humanos dos bandidos”, quando eles já estão ali para pagarem seus crimes, nenhuma necessidade havendo de acrescer-lhes tormentos físicos? Por que é tão fácil compadecer-nos de uma mãe que diz que seu filho foi desencaminhado por más pessoas, mas não quando diz que seu filho foi torturado?
Pelas leis da cadeia, muito dificilmente um filho pediria ajuda à mãe por ter sido espancado, ou estar sendo ameaçado. Tal atitude destruiria o eventual respeito que ainda poderia ter entre os companheiros de cela, e o colocaria em uma situação de perigosa fragilidade. Além do que, muitos percebem, não sem razão, que a mãe quase nada poderia fazer, a não ser afligir-se inutilmente. As mães da cadeia são as que ainda não abandonaram completamente seus filhos (pois isto também acontece) e, durante uma visita, constatam a situação por indícios ou pelas marcas de agressão.
Uma mãe da cadeia tem vergonha até de fazer uma acusação particular. Sua denúncia ao Conselho de Direitos Humanos em geral é em voz baixa, acompanhada de pedidos para que “ninguém saiba” quem denunciou, “ou vão matar meu filho”. Sabe que se tornar pública sua queixa, se fizer escândalo, como faz qualquer mãe que tem o atendimento médico de seu filho negado em um hospital, não terá atenção alguma da mídia e será apenas ridicularizada: “Quem mandou não educar?” Além do risco real de represálias que correrá seu filho.
Por que negar ajuda a uma pessoa nessa situação? Por que criticar quem ajuda, quando ela não tem ninguém mais a quem recorrer? Deveríamos pensar que ninguém está livre de estar na situação de uma mãe de cadeia. Ricos e pobres se igualam no problema da droga; embora os ricos tenham maiores chances de escapar da prisão, ainda assim, muitos vão ali parar (difícil no Brasil, com mensalão e tudo, é encontrar um rico preso por outro crime que não seja ligado à droga).
Se esta infelicidade ocorrer com qualquer família, quem prestará apoio? O tão denegrido Conselho de Direitos Humanos.
No Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba, levamos a sério qualquer denúncia de tortura nas prisões. A apuração do fato é feita mediante o pedido de apresentação do preso (quando vivo), e exame de corpo de delito, ou necrópsia, se necessário. Comprovada a violência, pedimos apuração. Lamentavelmente, tais ações não têm sido suficientes para evitar a reiterada ocorrência desse tipo de prática nos cárceres paraibanos, notadamente quando, recuando mais de cem anos no tempo, os castigos físicos tornam-se uma política para o sistema penitenciário estadual.
Mas também não posso deixar de pensar em como reagiria, se o filho não estivesse encarcerado, aquela mãe se visse na TV uma notícia de que o Conselho de Direitos Humanos está apurando denúncias de tortura em presídios. Talvez seguisse a corrente generalizada de incompreensão da sociedade a respeito do sistema prisional, extensiva aos órgãos de direitos humanos – “deixa esses bandidos apanharem, porque não pensaram nisso quando cometeram seus crimes” “só se preocupam com os bandidos, não com as pessoas de bem”. Mas quando uma dessas boas senhoras tem o filho envolvido com drogas, depois no crime, e depois na cadeia, praticamente é só no Conselho de Direitos Humanos (ou Defensoria Pública) que encontram apoio. Vara de Execuções Penais, Ministério Público, Judiciário, todas as outras portas encontram-se, com raras exceções, fechadas.
Entendo que isto tem também a ver com a falta de solidariedade do nosso povo, que atinge pobres e ricos (os últimos com maior intensidade - quanto mais rico, menos solidário). Não digo aqui da solidariedade passiva, de contribuições, de doações de alimentos, abundante, mas da solidariedade ativa, aquela que começa por colocar-se na posição do outro e nos leva a não doar coisas, mas fazer algo para ajudar. Uma catástrofe no Brasil implica em doações de roupas e alimentos e em verbas públicas (que para cúmulo ainda são desviadas, como aconteceu nas enchentes da região serrana do Rio de Janeiro). Em países mais solidários, as pessoas oferecem seus serviços e seu tempo às vítimas.
Por que é tão difícil para nós, quando vemos uma notícia de tortura em presídio, nos colocarmos na posição da mãe daquelas pessoas? Por que tanta facilidade em criticar os “direitos humanos dos bandidos”, quando eles já estão ali para pagarem seus crimes, nenhuma necessidade havendo de acrescer-lhes tormentos físicos? Por que é tão fácil compadecer-nos de uma mãe que diz que seu filho foi desencaminhado por más pessoas, mas não quando diz que seu filho foi torturado?
Pelas leis da cadeia, muito dificilmente um filho pediria ajuda à mãe por ter sido espancado, ou estar sendo ameaçado. Tal atitude destruiria o eventual respeito que ainda poderia ter entre os companheiros de cela, e o colocaria em uma situação de perigosa fragilidade. Além do que, muitos percebem, não sem razão, que a mãe quase nada poderia fazer, a não ser afligir-se inutilmente. As mães da cadeia são as que ainda não abandonaram completamente seus filhos (pois isto também acontece) e, durante uma visita, constatam a situação por indícios ou pelas marcas de agressão.
Uma mãe da cadeia tem vergonha até de fazer uma acusação particular. Sua denúncia ao Conselho de Direitos Humanos em geral é em voz baixa, acompanhada de pedidos para que “ninguém saiba” quem denunciou, “ou vão matar meu filho”. Sabe que se tornar pública sua queixa, se fizer escândalo, como faz qualquer mãe que tem o atendimento médico de seu filho negado em um hospital, não terá atenção alguma da mídia e será apenas ridicularizada: “Quem mandou não educar?” Além do risco real de represálias que correrá seu filho.
Por que negar ajuda a uma pessoa nessa situação? Por que criticar quem ajuda, quando ela não tem ninguém mais a quem recorrer? Deveríamos pensar que ninguém está livre de estar na situação de uma mãe de cadeia. Ricos e pobres se igualam no problema da droga; embora os ricos tenham maiores chances de escapar da prisão, ainda assim, muitos vão ali parar (difícil no Brasil, com mensalão e tudo, é encontrar um rico preso por outro crime que não seja ligado à droga).
Se esta infelicidade ocorrer com qualquer família, quem prestará apoio? O tão denegrido Conselho de Direitos Humanos.
No Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba, levamos a sério qualquer denúncia de tortura nas prisões. A apuração do fato é feita mediante o pedido de apresentação do preso (quando vivo), e exame de corpo de delito, ou necrópsia, se necessário. Comprovada a violência, pedimos apuração. Lamentavelmente, tais ações não têm sido suficientes para evitar a reiterada ocorrência desse tipo de prática nos cárceres paraibanos, notadamente quando, recuando mais de cem anos no tempo, os castigos físicos tornam-se uma política para o sistema penitenciário estadual.
*Artigo originalmente publicado no Jornal Correio da Paraíba, em 9/11/2012
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