Duciran Farena
Terça, 04 de Dezembro de 2012 - 16h35
A cura gay
No célebre livro as Sandálias do Pescador, de Morris West (escrito nos anos 60, do qual diz-se que, de certa forma, antecipou o advento de João Paulo II), O papa fictício Kiril I, ao saber das transgressões de um padre com uma paroquiana, deu um tratamento inovador ao caso: ao invés da submetê-lo ao Santo Ofício, o padre foi mandado a uma terapia. Kiril I, ucraniano, ex-prisioneiro do regime soviético, era um reformista, talvez revolucionário, para os padrões atuais, mas isso é assunto para outra crônica. O certo é que a narrativa reflete um momento da psicologia que hoje se encontra superado – em que se acreditava que poderia “curar” comportamentos tidos como desviantes da mesma forma que a medicina cura doenças físicas. Hoje, talvez, a atitude de Kiril I pudesse ser contraproducente: ao invés de “curar” o comportamento do padre, o psicólogo poderia reforçar a conduta condenada, estimulando-o a seguir o impulso sexual reprimido em sua personalidade, e consequentemente, abandonar a batina.
Nos dias atuais, o Governador da Califórnia (já não mais o machão Schwarzenegger) proibiu publicidade ou práticas de terapia de conversão de homossexuais. No Brasil, o impedimento aplicado pelo Conselho Federal de Psicologia a uma psicóloga que fazia alarde da “cura gay” suscitou a reação irada de tradicionalistas e religiosos, todos bradando contra a “censura” da “ditadura gay”.
Não se trata, contudo, de censura, ou de impedimento ao livre exercício da profissão. Seguir uma profissão implica sujeitar-se às regras éticas desta; a nenhum médico, por melhores que sejam suas intenções e mesmo com o consentimento do paciente, seria permitido torná-lo cobaia de novos medicamentos ou procedimentos. Nenhum advogado pode oferecer certeza de ganho, seja qual for a causa. No campo da psicologia, como diz Contardo Gallardis, os críticos da proibição partem do pressuposto de que os terapeutas têm a cura para a inclinação homossexual, mas são impedidos de usá-las por razões políticas ou ideológicas.
Nada mais falso. Prometer a cura da homossexualidade, para a psicologia, é tão absurdo quanto prometer curar o impulso religioso – que também, exacerbado, pode se converter no daninho fanatismo - oferecendo ao indivíduo uma vida dentro dos padrões da racionalidade atéia. Para os casos em que o indivíduo se sente desconfortável com sua orientação sexual e não quer correr o risco de ter de aceitá-la, não é necessário socorrer-se da psicologia – há as religiões, o neuro-feedback, e outros do estilo. Proibir a cura gay nada mais é do que uma extensão do princípio de direito do consumidor de que ninguém pode oferecer algo que não pode entregar, e muito menos cobrar por isso, pois a Dra. Rozângela não oferecia sua cura de graça.
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