domingo, 23 de setembro de 2012


A coluna é basicamente uma crônica política, que se diferencia da análise política clássica por não se prender ao factual nem à ordem ou pauta do dia. Contato com o colunista: rubensnobrega@uol.com.br

Uma cidade doente

Oito meses depois do estupro de cinco mulheres e trucidamento de duas que reconheceram de imediato os estupradores, a maioria dos viventes e sobreviventes de Queimadas não pode sequer dizer que teve direito à reação típica do brasileiro comum e mais imprevidente “que só fecha a porta depois da casa arrombada”.
A sensação é de que vivem numa cidade escancarada para o crime, sem ferrolho nem tramela que impeça ou dificulte a invasão de lares, a supressão de patrimônio e a violação brutal do corpo e da paz de espírito das pessoas de bem que lá permanecem por teimosia, falta de opção ou condições para mudar. 
A violência associada à insegurança e omissão do poder público faz de Queimadas uma cidade constantemente apavorada, doente de medo, como disseram muitos dos moradores e autoridades locais que compareceram na última quinta-feira a uma audiência pública do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH). 
“Foi assim que muitas pessoas que utilizaram da palavra (durante a reunião) diagnosticaram a cidade de Queimadas e afirmaram que a cidade encontra-se doente pela droga, pela ingestão de substâncias alcoólicas de forma desenfreada, pela sexualidade precoce e pela desestruturação familiar”, relata informe divulgado na última sexta-feira pelo CEDH.
O Conselho foi a Queimadas “hipotecar irrestrita solidariedade às vítimas” da barbárie de 12 de fevereiro deste ano, quando celerados atraíram mulheres para uma comemoração familiar, simularam um assalto por bandidos encapuzados à casa onde acontecia a festinha, estupraram pelo menos cinco das convidadas e mataram duas.
Além de manifestar solidariedade, o CEDH esteve em Queimadas “para ouvir autoridades e população acerca da adoção de providências que viessem a combater a violência na cidade em todas as suas variáveis”. Mas, pelo visto, muito pouco ou quase nada foi feito desde então, pelo Governo do Estado ou do município.



Cidadãos desamparados



“Todos foram unânimes e taxativos: desde o triste episódio que enlutou e entristeceu toda a cidade, nenhuma política pública foi implantada pelo Governo do Estado para reduzir a violência na cidade, tudo continua como dantes ou pior, os queimadenses não enxergam uma luz no fim do túnel, encontram-se inteiramente desamparados”, acrescenta nota divulgada pelo Conselho.
Os conselheiros ficaram chocados com o que ouviram de autoridades e cidadãos comuns de Queimadas, começando pela informação de que a cidade conta com apenas três homens da Polícia Militar e uma viatura, que jamais viram sendo utilizada em uma prosaica blitz para garantir a Lei Seca em razão do elevado consumo de álcool.
Como se não bastasse, a Delegacia de e Polícia Civil de Queimadas fecha no final de semana. Se alguém tiver necessidade de registrar queixa ou mesmo se for lavrado um flagrante, o jeito é correr para Aroeiras, onde se concentraria o plantão policial para toda aquela banda do Agreste paraibano. 
Os membros do CEDH que participaram da visita e atividades atestam que o município foi no mínimo desprestigiado pelo Governo do Estado, porque além da Central de Polícia ser em Aroeiras, a companhia da PM mais próxima fica em Boqueirão. “E pra Queimadas nada, mesmo depois da ocorrência que chocou todo o país”, protestam os conselheiros.



Prefeitura também omissa


Por sua vez, a Prefeitura de Queimadas parece não dar a mínima para a segurança de seus munícipes, que não têm câmeras para vigilância eletrônica das ruas nem iluminação nos locais de risco, sem contar a falta de uma Guarda Municipal e de projetos para programas governamentais como o Segundo Tempo.
Se houvesse interesse, adesão e empenho do governo municipal nas ações do Segundo Tempo, crianças e adolescentes ameaçadas pelo ócio, trabalho infantil ou tráfico estariam recebendo bolsas para praticar esportes, aprender a dançar, trocar flauta e outros instrumentos musicais. 
Os representantes do CEDH decidiram elaborar um relatório e enviar o documento tanto para o Governo do Estado como para a Prefeitura de Queimadas, solicitando, entre outras medidas, instalação de câmeras, projetos para o Segundo Tempo, proteção das mulheres, uma companhia de polícia, guarda municipal e blitzens para garantir a Lei Seca.
“O Conselho está de olho e vai se manter firme na luta. É chocante a situação de Queimadas e, o pior de tudo, o governo não está nem aí”, comentou o conselheiro Marinho Mendes, Promotor de Justiça, um dos mais atuantes membros do órgão. Ele tem se empenhado particularmente em combater a infâmia segundo a qual os “Direitos Humanos protegem bandidos”. 
Eis uma acusação lamentavelmente recorrente entre segmentos mais pobres e mais desrespeitados em seus direitos mais comezinhos, induzidos que são muitas vezes por radialistas e jornalistas desinformados ou mal intencionados, alguns completamente sem noção ou respeito à defesa e ao contraditório a que todo ser humano – bandido ou não – tem direito. É por direitos como esses, consagrados e acatados em todo o mundo, duramente conquistados e consolidados ao longo do processo civilizatório da humanidade cristã, que os ‘Direitos Humanos’ e homens como Marinho trabalham. 

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