Empresa administra presídio-modelo (Zero Hora)
Na penitenciária de Guarapuava (PR), quase todos detentos trabalham e a reincidência é de apenas 6%
CARLOS CORRÊA *
Enviado Especial/ZH
* Colaboraram Aline Custódio, Fabiana Sparremberger, Marco Giesteira e Rodrigo Cavalheiro
Não fossem os rolos de arame farpado colocados no alto das grades e uma placa com o nome da instituição, poucos identificariam o complexo de prédios da Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), no Paraná, como uma prisão.
É esse presídio com jeito de fábrica que está sendo apontado pelo governo federal como modelo a ser seguido para substituir as penitenciárias brasileiras – algumas delas meros depósitos de detentos. Seu principal trunfo: a experiência pioneira e até agora bem-sucedida de administração por uma empresa privada.
A pintura em tons amarelo e vermelho na fachada e a arquitetura da construção em nada lembram os muros altos que isolam outras cadeias. Tanto a terceirização quanto a ausência de paredões devem ser copiados pelo Ministério da Justiça nos cinco novos presídios previstos para serem construídos ainda este ano no país, um deles no Rio Grande do Sul, a um custo total de R$ 30 milhões.
Distante cerca de 250 quilômetros de Curitiba, a PIG foi inaugurada em novembro de 1999. Lá, tudo é terceirizado. Quase todas as 140 pessoas que trabalham no local – incluindo todos os agentes penitenciários ou “de disciplina” – são funcionários da Humanitas, empresa que ganhou por licitação o direito de coordenar as atividades internas do presídio.
Além do “cunho social”, como ressalta o gerente-administrativo, José Mário Valério, a empresa tem retorno financeiro. No Rio Grande do Sul, por exemplo, cada preso custa em média R$ 450. Na PIG, o governo do Paraná paga à Humanitas R$ 1,4 mil mensais por interno. É por onde lucra a empresa.
Para a secretária nacional de Justiça, Elisabeth Süssekind, o custo mais alto compensa. Ela vê na possibilidade de demissão imediata de agentes corruptos ou incompetentes as principais vantagens da terceirização. Além de Guarapuava, existe apenas mais uma penitenciária administrada por empresa privada no país – em Juazeiro do Norte, no Ceará.
Cabe ao governo do Paraná nomear o diretor, o vice-diretor e o chefe de segurança e a fiscalização do trabalho da Humanitas. À empresa, fica a responsabilidade pela seleção dos funcionários e o funcionamento da cadeia.
O resultado é um modelo que vem chamando a atenção do país por índices significativos como a baixa reincidência – 6%, enquanto em outras penitenciárias brasileiras, o número gira em torno de 70%.
A PIG conta com estrutura capaz de abrigar até 240 detentos (no momento, são 206). Não há distinção por tempo de pena a ser cumprido ou mesmo o delito cometido. O preso só é encaminhado para lá após passar por uma entrevista com psicólogos. Na conversa, são avaliados aspectos como o impacto para o condenado e para sua família de sua ida para a prisão e as chances que ele tem de se adequar à rotina da penitenciária.
– Buscamos os detentos que tenham o perfil de quem queira se reabilitar. Fazemos 50% do trabalho, os outros 50% dependem dele – explica o vice-diretor da PIG, Arnoldo Paes.
Para trabalhar em Guarapuava – onde o salário médio é de R$ 700 –, os agentes penitenciários passaram por um curso de preparação com ênfase na vigilância. Nenhum agente trabalha armado. Dinheiro, celulares e cigarros são proibidos. Nem os funcionários podem fumar livremente. Os agentes que quiserem têm de pedir permissão por escrito à diretoria e ir para uma sala externa.
Não é só nisso que a disciplina é rígida. Em todas as celas existe uma espécie de quadro-negro, destinado para o preso desenhar ou colar fotos e cartazes. Caso ele suje qualquer área além do quadro, terá de limpar, sob pena de uma punição que, agravada, pode chegar até ao cancelamento da remissão da pena.
As refeições servidas aos presos são as mesmas dos funcionários. O cardápio é elaborado por uma nutricionista e trocado a cada três meses. A cada 15 dias, uma relação de produtos que podem ser comprados no supermercado é repassada em todas as celas. Os presos fazem pedidos e recebem suas compras acompanhadas da nota do supermercado. Há duas urnas dispostas na penitenciária para receber denúncias relativas tanto aos presos quanto aos agentes e aos funcionários da cadeia. Mas, mais importante, há o respeito:
– Aqui todo mundo é chamado de senhor. Não baixamos o nível – diz o gerente-geral da Humanitas, Victório Fávero.
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Fábricas têm linha de produção na cadeia
Graças a parcerias firmadas entre o Estado do Paraná e empresas da região, o complexo de prédios da Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG) abriga uma fábrica de móveis estofados (Azulbrás) e outra de prendedores de madeira (Estilo Palitos).Todas utilizam os detentos como mão-de-obra. A mesma política vale para um convênio feito entre o Estado e a Humanitas para contratar internos como funcionários para trabalhar na limpeza e na cozinha da PIG. A política apresenta vantagens consideráveis. A primeira é oferecer ao detento a oportunidade de aprender um trabalho que pode ser útil ao final de sua pena. De cada três dias trabalhados na PIG, um é abatido na pena. – Vim para cá pelo trabalho. Sei que dessa vez, quando sair, posso conseguir algo lá fora – define L., 29 anos, condenado a seis anos de prisão por atentado ao pudor. A rotina na prisão paranaense é dividida por turnos. Enquanto um grupo de detentos trabalha, o outro toma aulas de ensinos Fundamental ou Médio e pode ter acesso a assistência médica, psicológica ou jurídica. No turno seguinte, a rotina se inverte. Mesmo com o uso constante de materiais como pistolas de pressão e pedaços de madeira, nunca ocorreu sequer uma tentativa de motim na fábrica de móveis. – Eles têm um material farto para um motim. Mas têm a consciência de que seria pior para eles – afirma o gerente-geral da Humanitas, Victório Fávero. Cada um dos internos recebe pelo menos um salário mínimo e existe a chance de premiação se a produção superar o planejado. – A gente se distrai. Nem dá tempo para ficar sofrendo – diz F., 25 anos, preso por homicídio.
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Local da nova prisão do RS ainda não está definido
Nos próximos 15 dias, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) deve receber formalmente de Brasília uma solicitação de informações sobre possíveis áreas de instalação da nova penitenciária federal no Rio Grande do Sul.Assim como a prisão de Guarapuava (PR), a nova prisão de 6,5 mil metros quadrados não terá muros e sim um alambrado duplo (duas fileiras de tela). Abrigará 200 presos e pode ficar pronta ainda este ano. A área para instalação da prisão não está definida. O aumento no número de vagas do sistema prisional gaúcho é saudada pelo superintendente da Susepe, Airton Michels, que se posiciona de forma contrária à administração das casas por empresas privadas. – Não concordamos com a terceirização, mas respeitamos a decisão do governo federal – observa. O número de recolhidos às casas prisionais gaúchas quase triplicou no último ano. Eram cerca de 500 prisões por ano na década de 90, mas entre o final de 2000 e 2001 houve 1,2 mil. A Susepe mantém como carro-chefe da administração a reforma no Presídio Central, onde a superlotação é permanente. – Fomos obrigados a superlotar penitenciárias da Região Metropolitana para diminuir o número de presos no Central e realizar a obra – admite Michels. A extensão do excesso de presos a várias casas preocupa o promotor Gilmar Bortolotto, corregedor dos presídios da Região Metropolitana. Embora aposte no aumento da segurança com a reforma do Central, a preocupação é que as transferências sobrecarreguem definitivamente outras cadeias. Na opinião do promotor, mesmo penas alternativas ao encarceramento, em geral saudadas como positivas, estariam esgotando o espectro de aplicação. – Estamos no limite da tolerância para o não-encarceramento. Não há como estender mais as penas que substituem a prisão – acredita. No Central, 1,8 mil presos dividem o espaço reservado para 700. Espera-se que ao final da obra sejam 1,5 mil bem acomodados. No ano passado, a extinção das revistas íntimas foi comemorado pela Susepe como final dos constrangimentos a familiares. A medida é lamentada pelo presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários e da Secretaria da Justiça, Roberto Baz de Souza. – As fugas estão mais armadas. Uma revista rigorosa evitaria a entrada de drogas e de celulares – diz.
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