sábado, 8 de setembro de 2012
A QUEM SERVE A VIOLÊNCIA?
O governo da Paraíba comemorou uma redução de 4,3% no número de homicídios, de janeiro a maio de 2012, em relação ao mesmo período do ano passado. Ou seja, nos primeiros cinco meses do ano, foram registrados no Estado 667 assassinatos, 30 a menos que no mesmo período de 2011. Muito pouco diante dos esforços para melhorar a segurança e para retirar a Paraíba do rol de estados mais violentos do Brasil. Como “celebrar” 667 mortes por homicídio em apenas cinco meses?
Mas é o Brasil todo que carrega a fama de país altamente violento. O Mapa da Violência de 2012 aponta a ocorrência de 538.329 homicídios no período de 2000 a 2010, correspondente a uma taxa média de 26 homicídios por 100 mil habitantes. Portanto, com mais de 50.000 homicídios por ano, o Brasil tem o maior número de homicídios do mundo em números absolutos. Está em terceiro lugar na América do Sul logo atrás de Venezuela e Colômbia, em termos proporcionais à população. Sabe-se que o perfil mais comum das vítimas é de homens jovens, de pele escura e de baixa renda.
Como explicar tudo isso em tempos de crescimento econômico do Brasil? Se a violência é produto da pobreza e da exclusão social, como se justificam os níveis terríveis da violência no país, quando o produto interno bruto continua crescendo mesmo em face à crise econômica mundial? A quem serve a violência? Quem se beneficia com o clima de medo e insegurança reinante na sociedade? Quais interesses estão por trás da criminalidade amplamente divulgada pela mídia, feita espetáculo em horários nobres?
Em “A indústria do medo” Eduardo Galeano afirmava que “o medo é a matéria-prima das prósperas indústrias da segurança particular e do controle social”. Podemos acrescentar a produção e o comércio de armas e em geral a indústria bélica. Quanto mais violência, mais insegurança; quanto maior a insegurança, maior o medo; quanto maior o medo, maior será o clamor por medidas repressivas e a busca por sistemas de segurança privada. Não é por acaso que muitas vezes os que devem prevenir a criminalidade e proteger o cidadão, ou seja os policiais, são também os donos das empresas de segurança privada ou trabalham nelas.
O combate ao crime torna-se justificativa por todo tipo de arbitrariedade e violação de direitos humanos: prisões arbitrárias, negação do direito à defesa, superlotação de presídios, tortura, execuções extrajudiciais, etc. A população indefesa e apavorada aprova e aplaude. Recente pesquisa indica que de 30% a 40% dos brasileiros são favoráveis, conforme a gravidade do crime, ao uso da violência policial, e que 47,5% admitem o uso da tortura para obter informações em casos de estupro, tráfico e sequestro. O dado é preocupante especialmente em vista de que dez anos atrás somente 28,8% da população achava isso tolerável.
A violência abafa as demandas sociais para a efetivação dos direitos fundamentais como educação e saúde. O Estado tem boa desculpa para não atender as justas reivindicações dos trabalhadores e a demanda reprimida por qualidade de vida. Embora não haja real investimento na segurança, o discurso é sempre o mesmo: em primeiro lugar o combate à criminalidade! Quem defende os direitos humanos e a dignidade das pessoas é visto como inimigo da ação enérgica e necessária do Estado para combater o crime e rotulado como “defensor de bandidos”. A população menos favorecida é duplamente vítima: da desigualdade de condições e oportunidades e da ação repressora do Estado.
Na verdade, o sistema político-econômico hoje dominante precisa da violência, dos conflitos e das guerras para impor e fazer prosperar seus interesses. Após a tragédia das Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, a população dos EUA aceitou restrições às liberdades democráticas e o mundo inteiro precisou se adequar em virtude da “guerra ao terrorismo”. Quais e quantos os interesses econômicos e estratégicos por trás desta guerra? Às vezes, como explica a “teoria do choque”, grandes crises econômicas, assim como catástrofes devidas a causas naturais ou humanas, são utilizadas para introduzir leis que diminuem os direitos individuais e sociais enquanto abrem espaços de ação antidemocrática para os grupos poderosos. Quem não percebe o desmonte das conquistas sociais dos trabalhadores como resposta à atual crise econômica no mundo inteiro?
O Brasil pode estar vivendo um período de crescimento da sua economia, mas isso não significa que esteja superando a grande disparidade na distribuição da renda no país. Pequenos ganhos no poder de compra das classes pobres, resultado de programas compensatórios e do aumento da taxa de emprego, vão de
mãos dadas com imensos lucros dos grandes grupos econômicos que apoiam e se beneficiam com as políticas do atual governo. Desenvolvimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento humano e social. Entre as potências econômicas mundiais, o Brasil ocupa a 84ª posição entre 187 países avaliados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, que mede vários fatores sociais inerentes à qualidade de vida. Há um contraste brutal entre o crescimento econômico do Brasil e este decréscimo em termos de qualidade de vida, em termos de indicadores de direitos humanos e de respeito pela pessoa humana. Como é que se explica tamanha contradição? A verdade é que o Brasil continua tendo um sistema de organização social profundamente injusto e condições socioeconômicas altamente desiguais.
Na Paraíba assiste-se atualmente a um processo de militarização de todo o sistema de segurança pública, de marginalização dos movimentos sociais, de suspensão das garantias constitucionais em nome do combate ao crime, de privatização da segurança e de glamourização da violência da parte de uma mídia cúmplice do clima do “quanto mais insegurança, maiores os negócios da indústria do medo”. Alimenta-se o preconceito contra os pobres, os negros, as minorias étnicas e sexuais e os que defendem seus direitos.
Renato Lanfranchi — Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero
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